A 400 quilómetros de Luanda, por estradas de difícil acesso e longe de tudo, a construção da maior barragem de Angola, no Cuanza Norte, fez surgir do zero uma cidade hoje com 6.000 pessoas onde nem cinema ou hospital falta.
A construção do Aproveitamento Hidroelétrico (AH) de Laúca, no rio Kwanza, a cargo da brasileira Odebrecht e com o apoio de dezenas de empresas subcontratadas, arrancou há dois anos e 5.700 trabalhadores residem hoje na nova cidade, erguida na margem direita para apoiar o gigantesco estaleiro e onde nada existia antes.
“É uma verdadeira cidade, que pulsa todos os dias, construída de raiz para alojar os trabalhadores e dar qualidade de vida”, explicou à Lusa o gerente administrativo e financeiro do projeto AH Laúca.
Os trabalhadores angolanos são oriundos de todo o país e o brasileiro Claudionor Lopes admite que apesar de poderem regressar com maior regularidade a casa, estes até preferem permanecer em Laúca nas folgas “pelas condições oferecidas”, do alojamento às refeições.
Utilizada apenas para apoiar a obra da barragem, Laúca é assim uma cidade – de acesso condicionado – com taxa zero de desemprego, como se conta, em tom de brincadeira, localmente.
Além do alojamento individual para os trabalhadores que vivem na cidade, sete dias por semana, dos quais nove por cento são expatriados sobretudo brasileiros e portugueses, Laúca fornece alguns serviços para os contratados na comunidade envolvente e que regressam a casa diariamente.
Com 7.100 trabalhadores, a gigantesca barragem será uma das maiores de África e teve de criar condições de autonomia, devido à dificuldade de acessos, distância e quantidade de pessoas que ali vivem durante longos períodos de tempo. Autossuficiente em algumas necessidades básicas, a cidade ainda precisa, por exemplo, de 70.000 litros de gasóleo para funcionar, todos os dias.
Com 125 lugares e três sessões de por semana, o cinema de LaCom 125 lugares e três sessões de por semana, o cinema de Laúca é um dos espaços de lazer mais procurados e os bilhetes, gratuitos, esgotam logo na primeira hora, como contou à Lusa Adriano Paiva, o angolano responsável pela área de lazer da cidade.
“Como é uma obra com mais trabalhadores do sexo masculino, eles querem mais filmes de ação. Estamos muito longe de casa e isto faz-nos sentir melhor”, diz Adriano, que trata da programação do cinema, depois de uma carreira de futebolista em Portugal, em clubes como Santa Clara ou Leixões.
Não faltam salas com jogos de vídeo e internet, campos de ténis, três ginásios, espaços para a prática de basquetebol e andebol, mas acaba por ser o futebol o destaque, com um campeonato entre equipas das várias secções da obra, movimentando perto de 1.000 trabalhadores da cidade.
“O futebol aqui é uma loucura, temos sempre os campos cheios à noite, com o Gira Laúca, que é uma réplica do campeonato angolano [Girabola], também com 16 equipas, e a Taça Laúca”, explica Adriano Paiva.
A final da taça da cidade disputa-se a 11 de novembro (tal como por norma a Taça de Angola), quando se comemoram os 40 anos da independência do país, opondo nesta primeira edição as equipas do “Controlo de Qualidade” e de “Topografia”.
Pela “Qualidade” joga Jorge Vicente, de 22 anos, que assume “confiança” na vitória na taça. Chega a ficar dois meses sem ir a casa, em Luanda, mas garante que vive numa “cidade a sério”, onde não faltam restaurantes, um banco, supermercado, cabeleireiros e até uma rádio própria: “Para quem está aqui a trabalhar nada melhor do que vir para o campo dar uma corrida no fim do dia”.
Uma das áreas mais complexas da cidade é a alimentação, também sem custos para os trabalhadores, que funciona 24 horas por dia. São servidas mais 23.000 refeições e processados até sete toneladas de carne por dia, por uma equipa de 240 pessoas e onde o bacalhau português também não falta na ementa.
“Em dois anos foram servidas quase 10 milhões de refeições sem qualquer intoxicaç”Em dois anos foram servidas quase 10 milhões de refeições sem qualquer intoxicação ou problema alimentar. Isso é muito importante porque em caso de problema é a obra que para”, explicou à Lusa o brasileiro Vanderson Cozer, responsável pela área alimentar.
Há também um hospital no interior, com 56 profissionais, entre médicos, enfermeiros e técnicos, e que recebe cerca de 150 pacientes por dia nas várias especialidades, inclusive internamento.
“Normalmente são problemas simples, algumas dores de cabeça e músculos. Mas também tratamos, sempre que necessário as pessoas da comunidade [aldeias fora da cidade]”, sublinha o médico angolano Nicolau Finda.
Construída pela Odebrecht, a cidade, tal como a barragem, é propriedade do Estado angolano, não sendo ainda conhecido o destino que terá depois de 2017.
Centenas de portugueses ajudam a construir maior barragem de Angola
Perto de 300 trabalhadores portugueses participam na construção da maior barragem de Angola, em Laúca, no rio Kwanza, mas a obra faz-se em português também com milhares de operários angolanos e brasileiros.
O Aproveitamento Hidroelétrico de Laúca vai produzir, a partir de 2017, cerca de 2.070 MegaWatts (MW) de eletricidade, mais do dobro da capacidade das duas barragens já em funcionamento no mesmo rio, mas ainda insuficiente para as necessidades do país.
Localizada no município de Cambambe, na província do Cuanza Norte, a barragem foi encomendada pelo Estado angolano por 4,3 mil milhões de dólares (3,8 mil milhões de euros) aos brasileiros da Odebrecht, envolvendo financiamento da linha de crédito do Brasil, para vir a servir cinco milhões de pessoas.
Entre 7.100 trabalhadores, sobretudo angolanos, há 26 portugueses diretamente contratados pela Odebrecht, detentora da obra, e mais 249 ao serviço das empresas subcontratadas de origem portuguesa, casos da Somague Angola, Teixeira Duarte, Epos, Tecnasol e Ibergru.
A Somague tem a responsabilidade de executar as tomadas de água para as seis turbinas da barragem, que será uma das maiores de África, prevendo concluir os trabalhos em setembro de 2016 estimando chegar a 500 trabalhadores no pico da atividade.
“Mas apenas cerca de 10% são trabalhadores expatriados porque estamos a colaborar no esforço de formação do povo angolano”, explicou à Lusa Ricardo Morais, o diretor de obra da Somague na barragem de Laúca.
Além de portugueses, o contingente de trabalhadores expatriados, que não supera 9% do total, integra sobretudo brasileiros, pelo que a maior obra em curso em Angola faz-se essencialmente em língua portuguesa.
“É complicado por vezes gerir [quantidade de trabalhadores], mas quando há um índice de motivação grande isso acaba por ser ultrapassado porque se trata um de megaprojeto e todos têm muito orgulho em participar, entre nacionais e expatriados”, reconhece o diretor de produção da Somague em La”É complicado por vezes gerir [quantidade de trabalhadores], mas quando há um índice de motivação grande isso acaba por ser ultrapassado porque se trata um de megaprojeto e todos têm muito orgulho em participar, entre nacionais e expatriados”, reconhece o diretor de produção da Somague em Laúca, Hélder Ferreira.
A construção está já acima dos 46 por cento de concretização, com um volume de um milhão de metros cúbicos de betão compactado com cilindro já utilizados, de um total de 2,6 milhões previstos.
Só em betão envolverá o equivalente à construção de 40 estádios de futebol, 2.800 casas ou 465 edifícios de oito pisos, explica a Odebrecht.
A implementação dos seis geradores que vão produzir eletricidade implicou a construção de outros tantos túneis subterrâneos numa extensão total de 12 quilómetros, além de um desvio do rio Kwanza.
De acordo com Manuel Cai, responsável de produção na Odebrecht, a obra avança já a um ritmo de 150 mil metros cúbicos de betão compactado por mês e a formação da mão-de-obra angolana é outro ganho da empreitada.
“É uma obra imponente, gigantesca, da qual fazem parte muito jovens angolanos. São 56 jovens universitários, grande parte saídos diretamente das universidades para o seu primeiro emprego, e 24 líderes operando como responsáveis pelo programa”, aponta o engenheiro angolano.
Esta construção envolverá 30.000 toneladas de aço nas montagens eletromecânicas, o equivalente à construção de cinco torres Eiffel, além de 22.000 toneladas de cimento por mês.
Depois de concluída, só o enchimento da albufeira com a água do Kwanza levará quatro meses.
“É uma obra de uma envergadura em que talvez poucas pessoas tenham hipótese de participar, emblemática para todas as empresas e trabalhadores envolvidos”, conta Paulo Simões, um dos operários portugueses da obra de Laúca.
A 400 de quilómetros de Luanda, na cidade edificada para apoiar a obra, este encarregado afirma que os trabalhadores portugueses conseguem conviver em Laúca e assim ultrapassar as saudades da casa.
“Nã”Não conseguimos ter aqui a mesma oferta, mas temos um bocadinho de tudo. Tentamos descomprimir como nos meios urbanos e o pessoal [portugueses] junta-se, após o horário laboral, no ginásio ou no bar”, diz.
Fonte: Agência Lusa
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